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TEA no trabalho. “Por que ninguém me entende?”
Essa pergunta, silenciosa ou gritante, ronda muitos adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA), especialmente no ambiente profissional. Crescemos com a ideia de que o autismo “some” com a idade mas isso é um mito. O autismo não desaparece, apenas se transforma, e muitas vezes se camufla em esforço, exaustão e incompreensão.
Pois é exatamente assim que muitos adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) se sentem diariamente especialmente no ambiente de trabalho. Embora o autismo seja frequentemente associado à infância, ele não desaparece com o tempo. Pelo contrário, ele apenas muda de forma e se adapta a um mundo que, em geral, continua sendo pouco preparado para a neurodiversidade.
Neste artigo, vamos caminhar juntos por um tema ainda pouco falado, mas extremamente necessário: como o TEA se manifesta na vida adulta e quais são os impactos disso no trabalho. Além disso, vamos trazer estratégias, reflexões e soluções reais para quem vive ou convive com essa realidade. Se você é autista, conhece alguém no espectro ou deseja compreender melhor, este texto pode ser um divisor de águas na sua forma de enxergar o outro e talvez até a si mesmo.
O que é o TEA e como ele se manifesta na vida adulta?
Antes de tudo, é fundamental entender que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica que afeta a forma como a pessoa percebe o mundo, se comunica e interage socialmente. Embora muitas pessoas associem o autismo à infância, a verdade é que ele acompanha o indivíduo por toda a vida.
Conforme a pessoa cresce, os sintomas podem se modificar, mas continuam impactando a rotina. Por isso, é essencial reconhecer que adultos autistas existem e precisam ser acolhidos com o mesmo cuidado oferecido às crianças diagnosticadas.
Características comuns em adultos autistas:
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Preferência por rotinas rígidas e previsíveis.
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Hipersensibilidade a sons, luzes, cheiros ou toques.
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Comunicação direta, às vezes considerada “fria” ou “sem tato”.
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Dificuldade em interpretar ironias, metáforas ou linguagem figurada.
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Interesse intenso por temas específicos.
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Fadiga social após interações prolongadas.
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Necessidade maior de tempo a sós para se recuperar de estímulos.
Além disso, muitos adultos passam anos sem diagnóstico. Assim, tentam se adaptar ao mundo mascarando seus comportamentos, o que gera sofrimento, ansiedade e esgotamento. Essa camuflagem social muitas vezes inconsciente é uma estratégia de sobrevivência que, com o tempo, pode cobrar um preço alto.
O desafio de ser autista no mundo do trabalho
Quando falamos sobre o TEA no trabalho, é impossível ignorar o quanto o ambiente profissional pode ser hostil para quem vive com esse tipo de funcionamento neurológico. Afinal, o mundo corporativo foi moldado com base em normas sociais não verbalizadas, dinâmicas de grupo, jogos de poder e exigências emocionais complexas.
Portanto, não é surpresa que adultos com TEA enfrentem inúmeras barreiras nesse contexto. Desde o processo seletivo, que geralmente valoriza comunicação informal e “carisma”, até o dia a dia no escritório, onde a política interna e a leitura de “entrelinhas” são valorizadas.
Principais dificuldades enfrentadas:
Dimensão | Desafios para pessoas com TEA |
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Comunicação | Falar de forma literal, dificuldade com “clima” de conversas ou ironias. |
Interação Social | Evitar conversas informais, dificuldade em participar de reuniões ou eventos. |
Sensibilidade | Incômodo com ruídos, luzes, cheiros e espaços lotados. |
Flexibilidade | Sofrimento com mudanças de última hora, tarefas não especificadas claramente. |
Organização | Dificuldade em gerenciar múltiplas demandas ao mesmo tempo. |
Estresse | Fadiga extrema, crises de sobrecarga sensorial, burnout. |
É importante destacar que essas dificuldades não refletem falta de competência. Pelo contrário, muitos adultos autistas são altamente qualificados e produtivos. No entanto, por não se encaixarem no modelo social “esperado”, acabam sendo injustamente rotulados como “difíceis”, “rígidos” ou “pouco colaborativos”.
Consequências de um TEA não reconhecido ou ignorado
Ignorar o TEA na vida adulta seja pela ausência de diagnóstico ou pela falta de apoio pode ter consequências sérias. A pessoa passa a acreditar que há algo de errado com ela, o que mina sua autoestima e saúde mental. Além disso, no ambiente de trabalho, a pressão por se adequar pode se tornar insustentável.
Impactos frequentes:
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Burnout: O esforço constante para parecer “normal” pode levar à exaustão mental e física.
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Crises de ansiedade: Reuniões, improvisos e interações sociais forçadas são gatilhos comuns.
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Isolamento: A dificuldade em “fazer parte do grupo” pode levar a evitar eventos sociais e criar uma sensação de não pertencimento.
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Demissões recorrentes: Sem compreender o motivo, muitas pessoas com TEA passam por múltiplos empregos e carregam a culpa por não se encaixar.
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Depressão: A sensação de fracasso constante pode levar a quadros depressivos graves.
Caminhos terapêuticos e estratégias para lidar com o TEA no trabalho
Apesar dos desafios, é possível viver com mais qualidade, dignidade e pertencimento. Para isso, é necessário trilhar um caminho de autoconhecimento, acolhimento e construção de estratégias práticas que ajudem a pessoa a se proteger sem precisar negar quem ela é.
Diagnóstico e terapia
Embora o diagnóstico tardio possa causar um misto de alívio e tristeza, ele é um ponto de partida valioso. A partir dele, é possível compreender padrões, reduzir a culpa e buscar intervenções terapêuticas específicas. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido uma das abordagens mais eficazes nesse processo, especialmente para:
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Reconhecer pensamentos distorcidos sobre si mesmo.
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Desenvolver habilidades sociais sem anular a identidade.
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Construir estratégias de autorregulação emocional.
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Lidar com a sobrecarga e criar rotinas sustentáveis.
Além disso, o simples fato de ter um espaço seguro para ser quem se é, sem precisar camuflar, já representa um enorme ganho emocional.
TEA e as adaptações no ambiente de trabalho
Ainda que nem toda empresa esteja preparada, existem medidas simples e eficazes que fazem grande diferença. Entre elas:
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Permitir uso de fones de ouvido antirruído.
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Oferecer um local mais silencioso ou com iluminação ajustável.
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Fornecer instruções claras e por escrito.
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Estabelecer rotinas previsíveis.
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Evitar mudanças de última hora sempre que possível.
Muitas dessas adaptações não têm custo para a empresa, mas promovem inclusão, produtividade e bem-estar para todos.
Comunicação assertiva
Outra habilidade que pode ser desenvolvida com apoio terapêutico é a comunicação assertiva. Isso significa aprender a expressar limites e necessidades de forma clara e respeitosa, como por exemplo:
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“Preciso de um pouco mais de tempo para me organizar.”
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“Prefiro receber orientações por escrito.”
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“Esses estímulos me causam desconforto, posso usar fone?”
É claro que isso exige coragem e, muitas vezes, apoio institucional. Porém, quando existe uma cultura de respeito, essa troca se torna possível.
Direitos legais e políticas de inclusão
Muita gente ainda desconhece, mas no Brasil a Lei 12.764/2012 reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência (PcD), garantindo acesso a políticas de inclusão, concursos públicos, vagas reservadas e direito a adaptações no trabalho.
Ou seja, é possível e legalmente assegurado trabalhar com dignidade, mesmo que o mundo ainda esteja aprendendo a lidar com a neurodiversidade.
Uma nova forma de ver o mundo: o valor de ser autista
Mais do que apontar dificuldades, é preciso reconhecer o que adultos autistas trazem de valor para o mundo do trabalho. A neurodiversidade é uma fonte de inovação, criatividade, foco, honestidade e competência técnica.
Empresas que já entenderam isso estão colhendo os frutos: ambientes mais diversos, menos competitivos, com novas formas de pensar e criar. Aliás, vários profissionais com TEA se destacam em áreas como tecnologia, pesquisa, engenharia, design, música, arte e escrita.
Portanto, talvez a pergunta não seja “como ajudar o autista a se adaptar?”, mas sim: “como tornar o mundo mais habitável para todos os jeitos de ser?”.
Ser quem se é: um ato de coragem em um mundo que ainda não aprendeu a acolher
Viver com TEA na vida adulta especialmente no trabalho pode ser um desafio solitário. No entanto, você não está só. Cada vez mais pessoas estão se levantando para falar, se reconhecer e exigir respeito.
Aceitar sua forma única de estar no mundo é um ato de coragem. E também de libertação.
Se você se identificou com este texto, talvez tenha encontrado aqui não apenas informação, mas também acolhimento. Que essa leitura seja um ponto de virada ou pelo menos uma pausa de alívio no meio da caminhada.
Agora me conta: você já passou por alguma situação difícil no trabalho por ser ou conviver com alguém autista?
Você acredita que o mercado está preparado para acolher a neurodiversidade?
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Vamos, juntos, construir um mundo em que ninguém precise se esconder para ser aceito.